sábado, 15 de setembro de 2007

Mesa Redonda

Bancos de Cor Laranja Para Todos!

Hora do Rush; trânsito implacável lá em cima; plataforma do metrô; ando em paralelo com a linha amarela; na esperança de evitar também o intenso trânsito humano, prefiro o vagão de faixa cor-de-rosa, já que o bolinho feminino que se aperta frente à porta do trem que se aproxima me parece menor. Integro-me na massa, contente por ter ficado na cara da abertura da porta quando ela parou, um pouquinho além do local programado. Porta se abrindo; e o pé se eleva para o segundo passo, errado... o primeiro foi ter optado pela cumplicidade e delicadeza do sexo frágil... e ao tentar embarcar numa viagem tranqüila e segura, conheci a força feminina, quando me vi catando cavaco rumo ao tubo de metal do centro do carro. Caramba! Meio no chão, meio pendurada no ferro, recompondo-me do quase tombo, ainda tomei uma bordoada aqui, outra do outro lado, enquanto um quadril largo quase me carrega de novo, constatei que aquilo havia sido apenas a largada da diária e feroz corrida por um lugar ao sol, ops, um lugar ao trem.
É, vagão cheio em 3 segundos... Mas procurando bem, encontro ainda vago um banquinho de cor laranja perto lá da outra porta. Vamos ver se ao menos aqui elas me respeitam...
Fico então na minha, refletindo sobre a competição, em especial esta, que se revela muito forte no sexo frágil. Bem que os homens dizem que são mais capazes de cultivar francas amizades entre si, que elogio de mulher pra mulher é tudo falsidade, que o negócio é chamar de filha daquela pra dizer que ama o amigo, que, ao contrário deles, mulher torce é pelo tropeço da outra. Bom, não sei se concordo de modo tão simplista e generalizado, mas que naquele momento, ao entrar no metrô, senti-me claramente alvo de tal desejo, não tenham dúvidas! E fiquei até revirando na memória, pra não correr o risco de ser injusta em minhas observações, uma vaga lembrança, que fosse, de semelhante desordem nos vagões comuns, que reúnem homens e mulheres. Claro, em horários de muvuca, quem nunca ficou preso entre tubos de metal, braços, bolsas, calores, odores, casacos, bafos e suores num fim de dia cansado de trabalho e só foi conseguir saltar três estações depois da desejada¿ Normal. Mas ver homem se atropelando e atropelando mulher feito boiada em desvairada pra pegar lugar, eu nunca vi. E nem mulher se atropelando ou atropelando homem daquele jeito! Eu duvido que elas fizessem isso num horário sem divisão de sexo, duvido que cometessem essa gafe se um gato, desavisado ou atrevido, surpreendesse o vagão feminino naquele minuto! Aí eu queria ver pra onde iria a selvageria...
Tudo bem, chega de olhar externo, chega de “elas”, “elas”, já que sou uma delas! Chega de nos rebaixar ao patamar de vilãs, sugerindo no rastro da retórica que, em oposição, estariam os homens no mais alto posto de heróis da gentileza e da classe no que se refere a transportes subterrâneos; afinal, não nos deixemos esquecer que justamente por causa deles é que foi criado o “Carro das Mulheres”. E não vou, aqui, permitir que apenas nós, mulheres, sejamos alvo das queixas; eles também, contradizendo meu discurso articulado e fundamentado em pesquisas sobre a solidariedade do povo carioca, estão deixando a desejar...
Nas deselegâncias masculinas nem vou me estender aqui, mas vale a pena destacar que, prezando sempre a inclusão social, minhas críticas não excluem os homens idosos, ou seja, os pobres velhinhos curvados, de cabeça branca; pelo contrário, eles têm sido os principais motivos de minha amolação. Acabo de me lembrar do dia em que um senhor, idoso, mas não fui capaz de enxergar o quão curvado ou limitado seu corpo velho parecia, entrou no vagão cheio e veio direto ao banco laranja, onde eu estava sentada, e, sem um “bom dia”, ou “por favor”, ou “com licença”, ou um “E aí¿ Beleza¿”, porém dono de um sorrisinho que estava longe de traduzir quaisquer dessas demonstrações de simpatia e educação, simplesmente fez com uma das mãos um sinal, com desprezo, que eu nem saberia descrever aqui, mas que percebi que era pra eu sair. Mas sair por quê¿ Mesmo tendo outros lugares vagos, aquele é o banco destinado a velhos ranzinzas¿ Ele é menos capaz de se firmar de pé do que eu¿ Existe uma norma que prioriza aquele assento para pessoas idosas¿ Sim, existe, assim como para “pessoas com crianças de colo, gestantes e portadores de necessidades especiais”, a voz feminina do metrô é bem clara . Quem não se lembra¿ Meus menos de 5% de visão podem até passar desapercebidos, como muitas vezes passam, podem não me dificultar tanto o equilíbrio em ´pé dentro de um veículo em movimento, podem não me impedir de me defender na multidão, podem me permitir ser ágil e forte, e é por isso que não me importo de me levantar e ceder olugar para quem o necessita mais do que eu. O problema está em achar que se é dono de algo, que se tem prioridade o tempo todo enquanto a lei permitir, o problema está na arrogância e na falta de humildade pra chegar, perguntar, esclarecer, pedir, solicitar, dividir, independente de idade, de dificuldade, de diferença ou de peculiaridade.
“Esta é a fila dos velhos.” É só o que escuto quando pego uma senha para o atendimento de prioridade nos bancos. Devo me sentir uma velha¿ Ou parar e explicar mais uma vez que a prioridade se estende também a pessoas com deficiência, que elas estão aí, compartilhando o mundo com todos, ocupando cada vez mais bancos escolares e universitários, ocupando cargos, posições, lideranças, enfim, ocupando seus devidos lugares no mundo, nas ruas, na fila do banco, e que eu sou uma delas¿ Não me importo, falo quantas vezes for preciso, falo porque me deixa é feliz tal evolução, tanto quanto fico ao constatar que as pessoas idosas também estão, cada vez mais, trocando o sedentarismo físico e mental por coragem, atividades e produtividade. Mas, voltando ao vagão do metrô, por que não deixar os velhinhos com as ranzinzisses deles¿ Já viveram muito, já se cansaram muito... Pois se viver muito significa mesmo cansaço, falta de educação, rabugices e deselegância, a partir do próximo aniversário estou dispensando o último verso da tradicional canção de congratulações; que decepção, juro que pensava que viver muito trazia consigo uma rica e vasta carga de conhecimentos, vivências, aprendizado, ensinamentos, histórias e muito mais para somar aos que ainda não viveram tanto assim. São idosos sim, tanto quanto são pessoas, homens, mulheres, cidadãos, exemplos, mestres, pais, avós, seres humanos, que merecem e devem respeito.
O senhor que, com um gesto, tirou-me de um dos bancos de cor laranja não foi o único a ignorar o fato de que uma jovem bonita, com a licença da modéstia, pudesse ter uma deficiência e, por conseqüência disso, estar devidamente acomodada num banco que foi destinado também a ela, ele aqui representa muitos outros desinformados, não só senhores, mas senhoras inclusive. Por fim, não há saída, ninguém escapa! Transporte de primeiro mundo com a fineza de primeiros tempos, os das cavernas... Se uns querem, de todo jeito, prioridade e ouutros, custe o que custar, querem é garantir seu lugar ao sol, bancos de cor laranja para todos! Não, não é para fazer com que sintam-se todos especiais, sim porque a falta de educação, e leia-se aí respeito, atenção para com o próximo, cidadania, consciência social, carinho e capacidade de amar deficientes, compõe deficiências muito mais carentes de tratamento e cuidado do que limitações físicas, sensoriais ou mentais.

...

Mhhhh, peço licença, a mim mesma, obviamente, para rebater, em apenas meio paragrafinho, a bela conclusão de efeito que fecharia o texto, realista, por sinal, porém que deixa na boca um ligeiro amargor de pessimismo. Por favor, para desfazer esta má impressão, que de fato foge bastante aos ideais positivistas da autora, permitam-me concluir erguendo um sorridente e visceral “Eu acredito na humanidade!” E aproveitando a concessão da licença, ainda acrescento, de coração aberto e acelerado: “Eu amo o povo carioca!”

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